Um Ensaio Sobre as Possíveis Origens da Hostilidade
Por: William Fernandes
Antes de tudo é importante
entendermos que o termo agressão tanto se relaciona diretamente com a violência
quanto, de forma mais sutil, sugere medidas drásticas ou comportamentos
obstinados como os de um líder religioso fundamentalista ou de um vendedor em
busca do sucesso. Embora, segundo a Psicologia Social (David Meyers, 1999) o
primeiro seja agressão e o segundo apenas uma afirmação, não podemos ignorar o
fato de que em ambos os casos um indivíduo ou grupo direciona uma ofensiva a
outra pessoa ou grupo; ou seja, em ambos encontramos a busca pela destruição do
outro.
Para ajudar essa compreensão os psicólogos decidiram agrupar
as relações agressivas em dois grupos:
1 – Agressão Hostil: Seria aquela que surge da raiva e
tem como intensão machucar, ferir, destruir;
2 – Agressão Instrumental: É descrita como sendo “(...) aquela
que visa fazer o mal apenas como um meio de alcançar um outro fim.” (Meyers,
1999, Pág. 208).
O que podemos notar é que essa classificação é relativa.
Vamos pegar o exemplo do pastor evangélico que incita seus fiéis a odiarem os
praticantes de religiões afro-brasileiras e homossexuais; o fato dessa atitude
promover ataques violentos, causando a destruição criminosa de terreiros de
umbanda e espancamento e mesmo morte de centenas de gays não faz com que seus
seguidores vejam esse discurso de ódio como sendo ruim: “É a vontade de deus”.
Genocídios praticados pelos Estado Unidos da América são chamados de “tentativas de paz” pelos
nacionalistas e movimentos que promovem a institucionalização da tortura levam
nomes cheios de eufemismos como a recente “Marcha da família com deus”. Por essa ótica,
a do grupo interno, poderíamos dizer que
a Agressão Instrumental é boa, pois o objetivo não seria a morte de ninguém e
sim agradar a um deus, promover a ordem, defender o país; e a Hostil, essa que
vemos no trânsito, nos assaltos e nas torcidas organizadas seria ruim por se
servir apenas à causar o mal ao outro. Contudo, se um homem é visto espancando
outro, e estes brigam por uma discussão sobre futebol que segundo essa
classificação seria uma Agressão Hostil, do ponto de vista de um torcedor violento
agredir o torcedor do time rival seria apenas uma forma de promover a força e o
sucesso do seu time; da mesma forma um assaltante
pode alegar que apenas está compensado a
injusta distribuição de riqueza do país. Ou seja, a agressão será sempre
Instrumental, pois sempre visará algum tipo de satisfação e sempre será Hostil,
pois visará sempre a destruição do outro.
Algumas
Teorias Sobre as Origens da Agressão
Hereditariedade
A Psiquiatria e a Psicologia Comportamental se apoiam na
relação do homem como espécie em relação à outros animais para explicar a sua
teoria da agressão. A afirmação
recorrente é: “Com a idade, as influências genéticas sobre a agressividade
aumentam, e a influência familiar diminui (Miles & Carey, 1997).
Segundo essa teoria o
comportamento agressivo é de origem genética, ou seja, país agressivos gerariam
filhos agressivos. Para essa teoria usam em
testes com camundongos em laboratórios (Kirsti Lagerpetz, 1979, Apu Meyers, 2002, pg. 209). Separaram camundongos
agressivos dos demais e mantiveram a reprodução por 26 gerações. Conseguiram
uma prole de camundongos ferozes.
Ainda no âmbito laboratorial a influência genética sob a
agressão foi estuda observando animais criados para briga; como cães e galos.
Fora do laboratório, mas muita mais timidamente,
observou-se o desenvolvimentos de humanos gêmeos (Raine, 1993). Gêmeos
idênticos filhos de criminosos apresentam 5 vezes mais registros de criminais
do que gêmeos fraternos.
Estes testes foram
apresentados e reconhecidos pela American Psychological Association.
Influências Bioquímicas
Na tentativa de explicar o comportamento agressivo
estudiosos do comportamento e organismo humano apontam para o desequilíbrio
químico como o maior responsável para esse fato. Usam para isso resultados de
laboratório e boletins de ocorrência policial (Bushman & Cooper, 19902)
Em laboratórios observaram que pessoas alcoolizadas
aplicam choques mais violentas em experimentos do que os não alcoolizados. (Abbey e outros, 1996, Apu Meyers, 2002, pg. 209). Fora do laboratório
observaram, para validar essa teoria, que 50% dos crimes mais violentos como
estupro e homicídio, são cometido por pessoas embriagadas. Afirmam que um homem que agride sua esposa depois de
abandonar o alcoolismo, abandona também o comportamento violento (Murphy &
O´Farrel, Apu Meyers, 2002, pg. 209).
Além do álcool os hormônios seriam também responsáveis
pela origem dos comportamentos agressivos no ser humano. O Homem teria comportamentos
mais agressivos que as mulheres por serem regidos pela Testosterona (Dabbs
& outros, Apu Meyers, 2002, pg.
209). Dessa forma os homens ficariam menos agressivos depois dos 25 anos, pois
o nível de testosterona estariam mais baixos.
O baixo nível de serotonina, o neurotransmissor que
costuma ser baixo nas pessoas deprimidas, é considerado um outro responsável
pelo comportamento agressivo. Pessoas situadas em baixa escala socioeconômica
também tendem a ter baixos níveis de serotonina (Bernhardt, 1997, Apu Meyers, 2002, pg. 2010). Segundo os
Psicólogos Evolucionistas essa seria a forma que a natureza usa para
prepara-los para uma defesa e lidar com situações de risco. (Meyers, pg. 210).
Influências Neurológicas
Essa frágil teoria se
baseia completamente em estudos
experimentos realizados em laboratórios. Segundo Meyers (2002),
pesquisadores ativaram áreas do cérebros supostamente responsáveis pelo
comportamento agressivo e, quando estimuladas, causavam uma reação agressiva no
animal experimentado.
Em humanos testaram com a colocação de eletrodos nas
áreas do cérebros referidas e ativa-los, mesmo sem causar dor, causavam
comportamentos violentos (Moyer, 1976, Apu
Meyers, 2002, pg. 208).
Embora fique claro que manipulações neurológicas,
desequilíbrio hormonal e mesmo influências genéticas possam influenciar o comportamento hostil não
fica evidente serem estas ou mesmo alguma destas, a origem da agressão.
Algumas dessas teorias, de fato, provam a relação de seus
experimentos e aumento da agressividade ou, no caso da Teoria da
Hereditariedade, que filhos
Freud e as Origens da Agressão
É simples: “Acho que se deve levar em conta o fato de
estarem presentes em todos os homens tendências destrutivas e, portanto,
antissociais e anticulturais, e que, num grande número de pessoas, essas
tendências são suficientemente fortes para determinar o comportamento delas na
sociedade humana.” (Freud, 1928, P. 2).
Freud nos apresenta um
homem que se circunscreve socialmente e consigo mesmo segundo pulsões inconscientes
que estão sempre buscando um alívio, um prazer imediato nunca satisfeito.
“Todavia, observemos que o estado de tensão desprazeroso e penoso não é outra
coisa senão a chama vital de nossa atividade mental; desprazer e tensão
permanecem para sempre sinônimos de vida.” (Freud, 1928, P. 20, Parágrafo 1º).
Mas de onde vem essa necessidade de encontrar o prazer que gera esse desprazer? Freud nos fala sobre o
instinto. Sem interesse em discorrer aqui detalhadamente sobre o aparelho
psíquico e o instinto podemos citar apenas que existe, segundo Freud, a Pulsão
de Vida e a Pulsão de Morte. Ambos buscam o prazer ou o encontro de um estado
anterior; a primeira é descrita por Freud como “ (...) a ligação libidinal,
isto é, o atamento dos laços, por intermédio da libido, entre nosso psiquismo,
nosso corpo, os seres e as coisas” (Idem, P. 60, Parágrafo 1º)., a segunda
“(...) a tendência do ser vivo a encontrar a calma da morte, o repouso e o
silêncio ...” (Idem, P. 60, Parágrafo 1º).
Ou seja, o homem está sempre na luta contra este estado de desprazer. Mas
de que maneira esse desprazer gera o comportamento agressivo? Ora, nossos
relacionamentos com os semelhantes estão
sempre perturbados pela existência de
desejos agressivos em nós que supomos haver neles; “A existência da inclinação
para a agressão que podemos detectar em nós mesmos e supor com justiça que ela
está presente nos outros, constitui o fator que perturba nossos relacionamentos
com o nosso próximo e força a civilização a um tão elevado de energia” (Freud,
1930, P. 35, Parágrafo 2º).
Segundo Freud não há como conter completamente os instintos agressivos do
homem. O que se busca é um controle civilizatório que tenta controlar as
manifestações agressivas; “A civilização tem de utilizar esforços supremos a
fim de estabelecer limites para os instintos agressivos do homem e manter suas
manifestações sob controle por formações psíquicas reativas” (Freud, 1930, P.
45, Parágrafo 3º). Talvez isso explique a constante formação de grupos
ideológicos que dominam o pensamento de nações; a exemplo temos a religião que
tem se auto estabelecida como o maior instrumento para conter “o mal” que há no
homem.
Freud mantém a religião no campo das ilusões; necessária para o homem
primitivo na busca por dominar as forças da natureza; confere à ela grande
parte do mal estar da civilização: “(...) o homem transforma as forças da
natureza não simplesmente em pessoas com quem pode associar-se como com seus
iguais (...) mas lhes concede caráter de um pai. Transformando-as em deuses,
seguindo nisso, não apenas um protótipo
infantil, mas um protótipo filogenético” (Freud, 1928, P. 48, Parágrafo
3º). Além disso não vê nela a solução para a contenção da agressividade: “É
sempre possível unir um considerável número de pessoas no amor, enquanto
sobrarem outras para receberem as manifestações da sua agressividade” (Idem, P.
50, Parágrafo 1º). Freud ainda realça o efeito da segregação
ideológica-dogmática encontrada na
religião exemplificada na crença cristã: “Quando, outrora, o apóstolo Paulo
postulou o amor universal entre os homens como fundamento de sua comunidade
cristã, um extrema intolerância por parte da cristandade para com os que
permaneceram fora dela tornou-se um consequência inevitável.”.
Outra tentativa de conter a agressividade é o dogma político. Como
exemplo temos o comunismo propõe a abolição da propriedade privada e que com
isso o homem seria menos hostil: “(...) como as necessidades de todos seriam
satisfeitas, ninguém teria razão alguma para encarar outrem como inimigo”
(Idem, P. 33, Parágrafo 5º). Mas Freud
nos lembra que a agressividade não foi criada com a propriedade. “Reinou quase
sem limites nos tempos primitivos quando a propriedade era ainda muito escassa,
e já se apresenta no quarto das crianças, quase antes que a propriedade tenha
abandonado a sua forma anal e primária” (Idem, P.51, Parágrafo 1º).
Em suma, Freud nivela a agressividade com os instintos libidinais e vê a
repressão destes como uma consequência dos benefícios que obtemos da
civilização: “Se a civilização impõe sacrifício tão grande, não apenas à
sexualidade do homem, mas também à sua agressividade, podemos compreender
melhor porque lhe é difícil ser feliz nessa civilização” (Idem, P. 52,
Parágrafo, 2º). Freud entende que
trocamos parte de nossa felicidade por segurança – Não matarás e não desejará a
mulher do próximo – resumem a tensão pungente do homem que, por reconhecermos
em nós o impulso agressivo e uma força libidinal muito grande, entendemos que é
melhor o sacrifício imposto que inclui restringir nossa liberdade instintiva em
troca de uma ideal de segurança, pois subentendemos que assim farão nossos
semelhantes.
Evidentemente não é fácil aos homens abandonar a satisfação dessa
inclinação para a agressão. Sem ela, eles não se sentem confortáveis. A
vantagem que um grupo cultural comparativamente pequeno, oferece, concedendo a
esse instinto um escoadouro sob a forma de hostilidade contra intrusos, não é
nada desprezível” (Idem, P. 45. Parágrafo, 2º ).
Conclusão
Parece
que diversas teorias sobre as origens da agressão mostram como ela pode ser
provocada, estimulada e até mesmo laboratorialmente controlada; demonstram
outras fontes que influenciam o homem ao ponto de provocar um comportamento
hostil, mas parecem fracassar ao
explicar a natureza agressiva presente no ser humano em qualquer tempo
ou circunstância. Sendo assim, elaborar
estratégias que visam uma sociedade menos destrutiva, ou seja, menos agressiva,
com base em teorias que provam apenas certas influencias sobre o comportamento
em determinadas circunstâncias, será apenas manipular essas mesmas influências
e não atingem o objetivo a que se propõem.
Se ideologias políticas, se a ilusão religiosa, nem a
manipulação do organismo humano através de controle hormonal, genético ou do
neurológico conseguiram até agora gerar uma sociedade mais pacífica, menos
neurótica e menos autodestrutiva qual é a solução?
“O elemento por trás disso tudo, elemento que as pessoas
estão tão dispostas a repudiar, é que os homens não são criaturas gentis que
desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas; pelo
contrário, são criaturas entre cujos dotes instintivos deve-se levar em conta um poderosa quota de
agressividade” (Idem, P. 60, Parágrafo 3º ).
A psicanálise parece mostrar um caminho, senão
simples, seguro quanto suas intenções, para escoar o mal-estar de viver fazendo
parte de uma civilização. Pode mostrar as compensações pelas suas opressões que
uma vez desvendas podem trazer vantagens. As vantagens são as satisfações
substitutivas.
Se a violência é o resultado
de um estado de coisas que Freud chama de “pobreza psicológica dos grupos” o
psicoterapeuta deve ter como missão fornecer ao paciente maneiras de encontrar
essas compensações, tal qual são das artes. Concluo com a citação de Freud
sobre as artes:
“(...) há muito tempo, a
arte oferece satisfações substitutivas para as mais antigas e mais profundas
sentidas renúncias culturais, e, por esse motivo, ela serve, como nenhuma outra
coisa, para reconciliar o homem com os sacrifícios que tem de fazer em
benefício da civilização” (Freud,1928, P. 15, Parágrafo 3º).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MYERS, David G. Psicologia Social. Rio de
Janeiro: LTC, 2000
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização, Londres: Hogarth Press,1928
FREUD, Sigmund. O Futura de uma Ilusão, Londres: Hogarth Press,1930
NASIO, Juan D. O Prazer de ler Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999